408.
Cantava,
em uma voz muito suave, uma canção de país longínquo. A música tornava
familiares as palavras incógnitas. Parecia o fado para a alma, mas não tinha
com ele semelhança alguma.
A canção dizia, pelas palavras
veladas e a melodia humana, coisas que estão na alma de todos e que ninguém
conhece. Ele cantava numa espécie de sonolência, ignorando com o olhar os
ouvintes, num pequeno êxtase de rua.
O povo reunido ouvia-o sem grande
motejo visível. A canção era de toda a gente, e as palavras falavam às vezes
connosco, segredo oriental de qualquer raça perdida. O ruído da cidade não se
ouvia se o ouvíamos, e passavam as carroças tão perto que uma me roçou pelo
solto do casaco. Mas senti-a e não a ouvi. Havia uma absorção no canto do
desconhecido que fazia bem ao que em nós sonha ou não consegue. Era um caso de
rua, e todos reparámos que o polícia virara a esquina lentamente. Aproximou-se
com a mesma lentidão. Ficou parado um tempo por trás do rapaz dos
guarda-chuvas, como quem vê qualquer coisa. Nesta altura o cantor parou.
Ninguém disse nada. Então o polícia interveio.
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