231.
Fazer uma obra e reconhecê-la má
depois de feita é uma das tragédias da alma. Sobretudo é grande quando se
reconhece que essa obra é a melhor que se podia fazer. Mas ao ir
escrever uma obra, saber de antemão que ela tem de ser imperfeita e falhada; ao
está-la escrevendo estar vendo que ela é imperfeita e falhada — isto é o máximo
da tortura e da humilhação do espírito. Não só os versos que escrevo sinto que
me não satisfazem, mas sei que os versos que estou para escrever me não satisfarão,
também. Sei-o tanto filosoficamente, carnalmente, por uma entrevisão obscura e
gladiolada.
Por que escrevo então? Porque,
pregador que sou da renúncia, não aprendi ainda a executá-la plenamente. Não
aprendi a abdicar da tendência para o verso e a prosa. Tenho de escrever como
cumprindo um castigo. E o maior castigo é o de saber que o que escrevo resulta
inteiramente fútil, falhado e incerto.
Em criança escrevia já versos. Então
escrevia versos muito maus, mas julgava-os perfeitos. Nunca mais tornarei a ter
o prazer falso de produzir obra perfeita. O que escrevo hoje é muito melhor. É
melhor, mesmo, do que o que poderiam escrever os melhores. Mas está
infinitamente abaixo daquilo que eu não sei porquê, sinto que podia — ou talvez
seja, que devia — escrever. Choro sobre os meus versos maus da infância como
sobre uma criança morta, um filho morto, uma última esperança que se fosse.
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