sábado, 27 de outubro de 2012

'O livro do desassossego', de Fernando Pessoa [Bernardo Soares]



            
231.      

           Fazer uma obra e reconhecê-la má depois de feita é uma das tragédias da alma. Sobretudo é grande quando se reconhece que essa obra é a melhor que se podia fazer. Mas ao ir escrever uma obra, saber de antemão que ela tem de ser imperfeita e falhada; ao está-la escrevendo estar vendo que ela é imperfeita e falhada — isto é o máximo da tortura e da humilhação do espírito. Não só os versos que escrevo sinto que me não satisfazem, mas sei que os versos que estou para escrever me não satisfarão, também. Sei-o tanto filosoficamente, carnalmente, por uma entrevisão obscura e gladiolada.
            Por que escrevo então? Porque, pregador que sou da renúncia, não aprendi ainda a executá-la plenamente. Não aprendi a abdicar da tendência para o verso e a prosa. Tenho de escrever como cumprindo um castigo. E o maior castigo é o de saber que o que escrevo resulta inteiramente fútil, falhado e incerto.
            Em criança escrevia já versos. Então escrevia versos muito maus, mas julgava-os perfeitos. Nunca mais tornarei a ter o prazer falso de produzir obra perfeita. O que escrevo hoje é muito melhor. É melhor, mesmo, do que o que poderiam escrever os melhores. Mas está infinitamente abaixo daquilo que eu não sei porquê, sinto que podia — ou talvez seja, que devia — escrever. Choro sobre os meus versos maus da infância como sobre uma criança morta, um filho morto, uma última esperança que se fosse.



            

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